Registro da reunião: 11/05/2016
No dia 11 de maio de 2016, estavam presentes os seguintes membros do grupo Criticum: Profª Drª Maria Ivonete Santos Silva, coordenadora do grupo, os Doutorandos Marise Gândara Lourenço, Tatiele da Cunha Freitas e Tiago Marques Luiz, os Mestrandos Ana Paula Silveira e Juan Fiorini e os graduandos Tiago Éric de Abreu e Nicolas José da Silva Gomes, tendo como pauta da reunião o texto de Robert Stam, intitulado “Teoria e Prática da Adaptação: Da Fidelidade à Intertextualidade”, a ser apresentado pelo Mestrando Juan Fiorini.
Inicialmente, Juan e Maria Ivonete deram boas vindas aos participantes do grupo e em seguida, Juan deu início à sua fala. O mestrando justificou o porquê de trabalhar o texto em questão, utilizado em seu trabalho de Mestrado, além de citar outra estudiosa, Linda Hutcheon e seu livro “Uma Teoria da Adaptação”. Juan se identificou como aluno vinculado à linha 3 do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários, a linha “Literatura, Outras Artes e Mídias”, sendo orientado pelo Prof. Dr. Leonardo Francisco Soares. Antes de dar início à sua apresentação do texto, o mestrando disse que há uma problemática ao usar o termo Intermídia em vez de Interartes, uma vez que o primeiro abarca um conglomerado de sistemas semióticos que trabalham com a Literatura, enquanto o segundo propõe uma relação entre a Literatura e uma única arte, como a pintura, a escultura, a música, etc.
No texto de Stam, Juan comenta que é recorrente o discurso da crítica para com o cinema. O cinema, para os estudiosos da Literatura, presta um desserviço ao texto literário, quando na verdade, o cinema é visto como uma linguagem alternativa da Literatura, sem desmerecer o texto literário enquanto matéria-prima. Além da questão do desserviço do cinema, outra questão em vigor é o quesito da fidelidade e da subjetividade da crítica em relação ao trabalho da adaptação.
A professora Maria Ivonete adentrou na discussão, ao dizer que o cinema se apropria da Literatura, pensando no aspecto de tradição, no sentido da narrativa cinematográfica ter um início, meio e fim (como no texto literário), porém, na atualidade, existe uma questão inócua de perdas e ganhos, uma vez que as técnicas do cinema se mesclam com os elementos literários.
Juan, retomando o raciocínio da professora, complementa que o cinema é a própria materialização da literatura, no sentido de ser um novo tipo de texto que será destinado a um determinado público, assim como o próprio texto literário. Citou como exemplo, o texto teatral Romeu e Julieta, de Shakespeare, sendo adaptado por Baz Luhrmann, ambientado em uma Los Angeles moderna, onde as famílias são gangues inimigas, como também cita o exemplo dos quadrinhos da Turma da Mônica e o próprio filme encenado pela Turma da Mônica, encenado em Ouro Preto, objeto de pesquisa do doutorando Tiago.
A doutoranda Marise faz a observação em relação à questão econômica, da recepção e da formação do público em relação ao processo da adaptação, como também questiona a praticidade da leitura operacional do texto. Maria Ivonete, por sua vez, destaca que o comercial, enquanto texto, é tido como uma tipologia da produção cinematográfica, uma vez que há uma questão de gênero, de texto, de público, como também da própria materialização do comercial.
A professora levanta a questão do cinema hollywoodiano, cuja característica era o endeusamento do corpo e a performance dos atores, momento que foi considerado como o Momento das Divas do cinema, privilegiando o aspecto estético do ator e da atriz, enquanto agentes do cinema.
Tanto Juan quanto a professora levantam estéticas que revolucionaram o mundo do cinema. Juan cita a Estética de Goddard e a professora cita Pinuel, onde cada um destes diretores traz à tona um olhar para a obra cinematográfica. Neste momento, a professora Maria Ivonete traz um paralelo da superioridade axiomática da Literatura sobre o cinema. Na Antiguidade Clássica, a Poesia (enquanto sinônimo de Literatura), era destinada somente aos sábios, a uma elite de classe intelectual, portanto qualquer outra arte era tida como inferior, como o caso do drama, outra arte que estava em voga na tradição greco-latina. Com o tempo, estas artes e outras artes acabaram se tornando acessíveis a todos os tipos de classes sociais.
A doutoranda Marise questiona quando surgiu o termo Literatura, enquanto produção literária, se haveria uma certa datação do termo, e a Professora Maria Ivonete responde que a produção literária sempre existiu, porém Literatura, enquanto disciplina, ela surgiu no século XIX, com o mesmo rigor de ensino das outras ciências. A título de exemplo, a professora menciona Ramaiana, considerada a epopeia mais antiga da história da humanidade, porém ela não tem uma datação exata, somente é considerada como a epopeia mais antiga.
O doutorando Tiago levanta a questão de que as narrativas literárias eram inicialmente passadas na tradição oral, uma vez que não havia a linguagem escrita. Consequentemente, as narrativas eram passadas de geração em geração até chegarem ao estágio do livro impresso, onde as narrativas estariam acessíveis, pelo menos de início, a uma classe alta e alfabetizada, e posteriormente às outras demais.
Retomando o texto, Juan destaca a ressalva de que as artes antigas eram melhores e constata a dicotomia de que o ganho do cinema constitui a perda da Literatura, ou seja, a ideia enquanto original se comprometeria, na visão de Stam, porém não é o que acontece.
A professora Ivonete afirma que ninguém escreve uma grande obra sem ter uma referência, como forma de reafirmar que o cinema, de certa forma, bebe da fonte literária, e não teria um texto pronto. A doutoranda Tatiele mostra que o processo de adaptação também pode ser inverso, no sentido de que o filme pode gerar um livro, e não no sentido clássico, do romance para a tela, o que é verdade.
Juan menciona o texto de André Bazin intitulado “Por um cinema impuro”, onde o estudioso francês afirma que é impossível o cinema ser uma arte pura, como se ela tivesse uma materialização própria, e Juan e os demais participantes do grupo concordam com o francês, no sentido de que o cinema irá sempre usufruir de elementos das outras artes, como a música, a pintura e o teatro, e principalmente, a literatura, com a premissa de que à medida que lemos a página, nós visualizamos as imagens, os gestos, as trilhas sonoras que são possíveis de serem representados na tela cinematográfica.
A própria literatura nos dá indícios de como representar os elementos literários na tela, valendo-se das técnicas do cinema, como o movimento da câmera, o zoom, o close, a visão panorâmica, entre outras modalidades técnicas típicas do cinema. Juan menciona a metáfora do parasita, para exemplificar o modo como o cinema vai desfrutar da literatura.
Voltando ao texto, Stam menciona correntes que propõem uma visão para com a adaptação; a Semiótica vai reduzir a hierarquia entre o romance e o filme, enquanto Kristeva e Genétte vão propor a intertextualidade e a hipertextualidade, como formas do texto literário se relacionar com o cinematográfico. A narrativa será vista enquanto confluência de modos de contar, elencando perguntas como: quem conta, o que conta, para quem conta e como conta. Estes modus operandi estão atrelados à arte cinematográfica, como também à arte teatral.
De todo esse raciocínio, a professora Maria Ivonete diz que nós, os ocidentais, temos uma estrutura, uma lógica para pensar o mundo, bastante diferente do Oriental. Esta lógica, para nós, está relacionada à tradição greco-latina, onde a ênfase era o fazer sentido, enquanto no Oriente, a perspectiva é totalmente diferente.
E a arte tanto busca como transita nessa racionalidade, provocando o descompasso como também o desabamento da racionalidade, como impossibilidade de se criar resistência para com a mudança do mundo em sua temporalidade. Estamos sempre sujeitos às mudanças do mundo, e consequentemente, estas mudanças influenciam os modos de narrar, que não são iguais e muito menos totais.
Logo, o grupo chegou à conclusão de que a obra nunca é original, e sim, parcial, justamente pelo fato de existirem lacunas, que serão preenchidas com a história de leitura do receptor, e que num movimento ad eternum, sempre estarão criando novos olhares para com o texto.
No decorrer da discussão do texto, a mestranda Ana Paula levantou a questão da possível independência das artes, uma autonomia das artes. Se a adaptação é vista como algo pejorativo, induz-se que deve haver uma luta para a autonomia e um distanciamento da hierarquia, porém há um trecho no texto de Stam que sanou a dúvida da mestranda.
À medida que Juan foi discutindo o texto, o grupo ficou convicto de que a intenção de Stam é desconstruir a noção de originalidade e superioridade da Literatura. O doutorando Tiago menciona a obra de Umberto Eco, “A obra aberta”, onde o italiano apresenta a visão de que uma obra nunca é completa, redonda, fechada, e é justamente esta visão de Eco que entra em consonância com o grupo de que o texto literário pode ser complementado, e até mesmo revisto com outros olhares. Em uma determinada passagem, a doutoranda Marise sugeriu que fosse substituído o adjetivo “radical” por “abrangente”, que daria melhor coerência para o texto do teórico, o que é viável.
Juan constata que a citação de Montaigne foi a primeira teorização da adaptação, porém a visão de Montaigne limitou-se ao fazer literário, e posteriormente, Bakhtin critica esta visão, ao dizer que o estatuto da adaptação não se limita somente ao aspecto literário, e propõe o dialogismo.
Ana Paula retoma a ideia de Vladimir Propp, sobre o modo de se construir uma narrativa, e Tatiele complementa que existe o estudo de Campbell, uma vez que ambos são tidos como o cerne da Narratologia. Juan menciona as estratégias propostas por Genette, as chamadas estratégias de transtextualidade, a saber: a intertextualidade, a paratextualidade, a metatextualidade, arquitextualidade e hipertextualidade.
Todas as estratégias sugerem a apropriação de uma história para uma nova história, e a professora Maria Ivonete complementa que com o passar do tempo, mudou-se a recepção do objeto artístico. Há uma outra visão, que não se vincula mais ao tradicional, como também a adaptação não vincula mais à obra literária. O doutorando Tiago menciona a adaptação como um processo de tradução, não somente pelo viés linguístico, onde a leitura do diretor, do ator, do produtor para com o texto do autor irá criar uma nova obra, uma nova linguagem. O olhar do doutorando é complementado pelo mestrando Juan, onde a tarefa da adaptação é um processo de tradução coletiva, onde todos os agentes do cinema estão impondo seus olhares para com a obra.
A mestranda Ana Paula novamente retoma a questão da possível independência das artes, a partir do resultado do produto no espectador. Se a adaptação acaba sendo mal-feita, poderia pressupor uma independência para com a Literatura, porém a professora Maria Ivonete ressalta que este resultado bem-feito ou mal-feito do texto cinematográfico está sujeito às condições de produção, como também não existe uma plenitude em qualquer arte.
O eixo das obras é aquilo que inquieta e que acaba dando brecha para novas leituras, é o transcendente do imutável. A questão do mal-feito, segundo a professora, é justamente o fato de que possivelmente os agentes do cinema tenham dado conta do texto de certa forma, mas para o receptor, acabou não sendo algo contemplado por completo.
Finalizando a discussão do texto de Stam, a professora Maria Ivonete encerra que mesmo não querendo, nós, leitores, estamos fadados ao quesito do julgamento, do juízo de valor para com a adaptação. E mesmo que nós tentemos não se valer deste juízo, de uma forma ou de outra, estaremos fadados a ele.